segunda-feira, 30 de abril de 2018

Presente de Vizinha

Minha vizinha é um presente... Tagarela, baixinha, risonha, briguenta, casada, mãe de duas meninas, dona de um restaurante e amante dos bichos... Na semana em que me mudei para a casa onde moro há cinco anos, conversamos no portão sobre cachorro, gato, coelho, passarinho, peixe, formiga, pernilongo...
Ela contou-me que já havia tido de tudo quanto era bicho, inclusive um hamster fofo que se exercitava à noite na gaiola... Téc, téc, téc, téc, téc, téc, téc, téc, téc, téc...
Já na semana seguinte a simpática e acolhedora vizinha convidou-me para ir à sua casa comemorar seu aniversário. Seguindo a política de boa vizinhança aceitei de pronto. 

Pensei na conversa que tivéramos e busquei imaginar um presente que demonstrasse meu apreço e afinidade com a pessoa... Como não tínhamos conversado sobre perfumes, chocolates, lingeries, porque não um animalzinho?
Uma tartaruguinha seria tão bacana... Não encontrei para vender. Cachorro e gato é muito pessoal. Prender passarinho e peixe dá dó. Coelho foge... Aaaaah! Talvez eu pudesse consertar a perda que ela sofreu quando seu hamster morreu. Ele era tão meigo, mansinho, passeava no meio dos dedos de sua filha, mexia o focinho para seu marido e ficaram todos tão tristes quando ele partiu... Resolvido!

Liguei decidida na loja e encomendei o bichinho... Gaiola? Era dez vezes o preço do bonitinho... Não precisa não, a vizinha ainda deve ter uma guardada na garagem.
Blim, Blom! Chegou o homem com uma caixinha na mão cheia de furinhos. Paguei e segurei tensa aquele recipiente malacafento. As unhas afiadas do bicho esfolavam lentamente o papelão produzinho um som aflito. Putz!

No reflexo arremessei o objeto à mesa juntamente com um urro apertado que veio do cóccix. Ressabiada e a meio metro da mesa passei um laço de fita vermelho em volta da caixa e fui me arrumar. Minha cachorra se posicionou à porta num estilo Bolt pronta para devorar a cobaia. Procurei manter a tranquilidade, o bicho estava preso, mas era preciso ser breve, porque a qualquer momento o lacre poderia se romper. 

Entrei no banho e fui capturada pelo estado zen que me invade cada vez que eu tranco a porta, ligo o chuveiro e ouço apenas sussuros de choro e um mãããããe... Bem suave, baixinho, quase imperceptível que me fazem lembrar por um instante fugaz que eu ainda existo!!! Entrei em nirvana e fiquei completamente absorvida pela espuma do xampu, sabonete, massagem de água quente nas costas, bolhas de sabão, carimbo de buzanfa no vidro do box... Estava tudo tão perfeito quando subitamente fui surpreendida por murros insistentes na porta do banheiro... MÃE! O rato fez um buraco na caixa!

Até eu me enrolar na toalha e chegar à sala... O rato já havia fugido... Pânico geral! A cachorra faminta rodopiava entre as cortinas, meu filho alucinado trepava nas portas, meu marido louco sacou um rodo e começou a levantar as almofadas atrás do animal. Ao avistar aquele rabinho anêmico ele venceu a barreira do sofá, lançou-se ao chão feito um bólido e esganou a barriga da praga que assustadoramente sobrevivera.

Tratei de correr e arrumar um potinho de margarina, menos elegante que a caixinha de papelão, porém, mais eficiente. Furamos com garfo quente e reforçamos as saídas laterais com durex. O conjunto dispensava a fita vermelha. 
Meu marido recusou-se a ir ao aniversário. Fui eu, meu menino mais velho (4 anos na época), meu filho do meio (1 mês) e o rato. 

Já no portão apreciei o naipe da festa. Faixas de cetim brancas, arranjos de copos de leite e tochas acesas formavam o caminho da recepção. Sobre uma mesa farta de queijos, patês, torradas e vinhos havia um candelabro celeste aceso. O chão estava coberto por folhas verdes e garçons circulando pelo ambiente. Na entrada, alguém para receber o presente!!! Recusei-me a entregar, fazia questão de dar em mãos!

Eu trajava Jeans, uma camisete branca manchada de leite na região das mamas e tênis “all star”. O cabelo preso por uma piranha dava um toque diferenciado ao penteado. Para terminar de compor o visual, um pote de margarina esburacado na mão... Meu filho assistia a tudo atônito:
- Mãe! Você vai dar este rato?
- Vem filho! Não fala nada!

Entrei espatifando ovos, mas precisava me livrar daquilo. Cumprimentei a aniversariante e entreguei o POTE! Ela sorriu e começou a despregar os durex com cautela e desconfiança. A filha ao lado sorriu mais intensamente e mostrava-se ansiosa pelo conteúdo do recipiente que se mexia.

O fato se deu! Ao abrir a tampa a alinhada vizinha lançou um grito sucinto, conciso, bem resumido, desproporcional à gravidade da situação. Com classe, arremessou levemente o POTE à altura do topo de uma mangueira, e o pote, retornou vazio. A filha, menos jeitosa, soltou um grito um pouco mais prolongado e saiu desesperada pela alameda das tochas até sumir em meio aos copos de leite. Os convidados ao lado, este sim esqueceram que estavam numa festa e perderam totalmente a decência... Saíram desordenados pisoteando as folhas verdes, se amontoando e se cotovelando sem pudor. Eu, com dignidade, soltei uma gargalhada tipo Cruela e aproveitei a baderna para atravessar com classe os arruaceiros e me acomodar em uma mesa bem camuflada sob os coqueiros. Dali não levantei até ir embora...

O aniversário seguiu. Fiquei até o bolo. No dia seguinte nos cumprimentamos no portão, como de costume.


Por aí...

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